segunda-feira, 11 de maio de 2020

AF ENTREVISTA #02 - Lucas Straub (FC Dusheti/Geórgia)

Um brasileiro atuando na Segunda Divisão do Campeonato da Geórgia. Lucas Straub, zagueiro de 1,87m natural de Petrópolis conta com exclusividade ao AlternaFut como é atuar em um país tão distante geográfica e culturalmente. 
Por: AlternaFut

Imagine que você tem o sonho de jogar profissionalmente: Barcelona, Liverpool, Juventus, PSG - essas são equipes em que você provavelmente gostaria de atuar: maior estrutura, maiores salários, mais visibilidade e competições com os maiores craques do mundo. Sim, há brasileiros que chegam lá, mas esses atletas que alçam esse vôo são exceções.  

A realidade de muitos brasileiros que atuam profissionalmente no esporte é bem diferente: a cada trimestre ou semestre estão rodando por clubes de norte a sul no Brasil ou vão atuar  profissionalmente em outro país, em busca de melhores condições de trabalho.

Lucas Straub, atleta de 25 anos que hoje joga pelo FC Aragvi Dusheti, na Segunda Divisão da Geórgia, já atuou por mais de 5 estados, 11 times e três países diferentes em 6 anos e nos conta um pouco de sua experiência. 

Confira a entrevista exclusiva realizada pelo AlternaFut com o atleta: 

Lucas Straub - Brasileiro que atua na Segunda Divisão do Futebol da Geórgia (Foto: Arquivo Pessoal)


1.   Como surgiu o convite para jogar em Países como Armênia e Geórgia, considerando que são muito distantes tanto geograficamente quanto 
culturalmente? Algum representante do clube estava no Brasil procurando reforços?

Para a Armênia surgiu através de um amigo, Dhiego Lomba, estávamos jogando juntos no Assu/RN 2017 e ele já tinha jogado em alguns países fora, inclusive na Armênia. Ele jogou na Armênia com o presidente do time que eu fui, FC Ararat Yerevan. Jogando juntos em Assu, ele me disse que o presidente do Ararat o perguntou se ele conhecia bons jogadores e novos, ele apresentou eu e Silas, que também jogava no mesmo time. O presidente do Ararat gostou dos vídeos e encaminhou nossa contratação.   
         
Quando eu estava na Armênia acabei tendo contato com um brasileiro que mora aqui em Tbilisi a bastante tempo, ele disse que tinha oportunidade de vir para um clube aqui: me apresentou o FC Dusheti Aragv e disse que queriam a minha contratação. Na época acabei não vindo, mas ficamos em contato e esse ano de 2020 acabou dando certo de vir.

2.   Como o povo da Geórgia se relaciona com o futebol? E quando você se apresenta como brasileiro, quais as referências de jogadores brasileiros que eles mais citam?

O povo Georgiano, gosta bastante de futebol! Apesar de não ser o principal esporte aqui, acredito que fica atrás do levantamento de peso, luta olímpica e rugby. O futebol está crescendo bastante e a cada dia ganha mais adeptos a prática. Na capital é comum você ver em cada esquina uma quadra sintética para prática de futebol. Muitas dessas quadras ainda estão vazias, mas é notável que o futebol está crescendo e o povo gosta e torcem demais.
Eles sempre dão referência a Pelé, Ronaldinho, Ronaldo, Romário. Acredito que esses 4 são os que eu mais escuto falar aqui, mas também escuto os georgianos dizendo que gostam do Neymar, Thiago Silva e Marcelo.

2.   É difícil você se relacionar com jogadores de outro país? A afinidade é a mesma com os jogadores nascidos no Brasil. na Geórgia ou na Armênia?
No início é mais complicado, pois eles são mais fechados, não são iguais os brasileiros que são bem receptíveis. Isso eu digo que é praticamente igual aqui na Geórgia e na Armênia, pois são países bem parecidos. Depois que você vai se adaptando, vai conhecendo, eles são bem receptíveis. Gostam de brasileiros, mas é claro que você também que se adaptar a eles, pois estou no país deles, isso conta muito. Uma situação que eu acho que facilita bem, é quando você está disposto a se introduzir na cultura deles, acredito que eles gostam e tudo fica mais fácil. Eu, graças a Deus, fiz boas amizades na Armênia e aqui também tenho bons amigos locais, isso faz com que a adaptação fique mais fácil.

3.   Como você lida com a questão do idioma? Você fala inglês, ou a língua local? Jogou com mais brasileiros no time na Armênia ou na Geórgia?
A questão do idioma realmente é bem complicada, tanto aqui e na Armênia. Nos dois países eu aprendi bem pouco, poucas palavras para o dia a dia, como bom dia, obrigado, como você está e etc.. o idioma é bem difícil.

Eu não sou fluente no inglês, mas estudei algum tempo no Brasil quando era menor, então eu consigo conversar bem e entender tudo o que é passado. Essa também é uma prática que eu procuro ficar bem atento para estar aperfeiçoando meu inglês. Aqui, como na Armênia, nem todo mundo fala inglês, a segunda língua predominante é o russo devido a antiga União Soviética. Então, tem pessoas que falam fluentes, outras igual eu e outros bem piores, só que no futebol dentro do campo você acaba se virando e dando um jeito de passar e receber informações.

Acredito que essa situação do idioma não seja uma barreira para mim, apesar de que se eu soubesse o idioma local iria facilitar muito. São coisas que vamos aprendendo e passando, como eu disse cada vez que você se introduz na cultura local, tudo fica mais fácil!

4.   Antes da paralisação devido ao Coronavirus, vocês jogaram dois jogos no campeonato e ambos foram empates. Qual era a meta para a temporada?

Minha equipe é debutante na segunda liga, eles tiveram 3 acessos nos últimos 4 anos, subiram da extinta quinta para segunda liga em 4 anos. A nossa equipe é de uma pequena cidade chamada Dusheti, fica a 54km da capital Tbilisi.

A meta é se manter na segunda liga por ser uma equipe debutante, mas jogamos dois jogos contra duas equipes tradicionais no país e que estão sempre jogando a primeira liga, dois empates por 0x0, onde no primeiro jogo contra o Wit Geórgia dominamos o jogo e não matamos, e no segundo contra o Gagra foi mais equilibrado e também tivemos alguns bons momentos na partida.

Esses dois jogos nos mostrou que vamos ter uma temporada boa e sólida em busca da permanência e se der para beliscar o acesso direto ou os play-offs, vai ser uma grande conquista e iremos fortes para o acesso.   

5.   Como está sendo lidar com a pandemia na Geórgia? Está treinando a parte física em casa?
A pandemia aqui está bem melhor do no Brasil, por exemplo. Aqui as autoridades adotaram medidas de prevenção e com isso o número de casos foi bem baixo. Aqui no país hoje (05/05) tem 600 casos, 9 mortes e 250 recuperados. Acredito que esses números teoricamente baixos comparando com outros países, foi devido às medidas adotadas, como toque de recolher, multas, paralisação de transportes públicos, privados.

As únicas coisas abertas aqui são mercados e farmácias, e mesmo assim não se pode ter mais de 5 pessoas dentro do estabelecimento, além de ser obrigatório o uso de máscaras e luvas em ambientes fechados. Mas isso também se deve à conscientização das pessoas, pois a Geórgia é um país com muitos idosos. Uma outra medida que acredito que deu certo, foi que muitas famílias saíram da capital e foram para as pequenas cidades bem afastadas para ficarem em quarentena. Aqui a previsão é de quarentena até dia 22 de maio e depois a vida ir retornando devagar ao normal.

Quanto a parte física, eu sempre tento manter em casa a parte física do jeito que eu posso, até mesmo em atividade normal, sempre tento me cuidar fazendo um extra de prevenção em casa. Sabemos que não é o ideal o treinamento em casa, porém nessa situação, são forças superiores em que só temos que aceitar e ficar em casa torcendo para que tudo isso acabe logo, para que possamos retornar aos trabalhos.


Lucas em atuação no futebol georgiano. [Foto/Reprodução: Arquivo Pessoal]


6.   Como é ser treinado por um treinador estrangeiro? A visão dele de futebol é muito diferente dos treinadores brasileiros com os quais você já trabalhou?

Eu gosto de trabalhar com treinadores que não são brasileiros também. Acredito que você acaba aprendendo culturas diferentes do futebol e que vai somando no seu crescimento e evolução. Eu ja tive a oportunidade de trabalhar com um no Brasil e depois aqui fora pela segunda e terceira vez. As vezes eles são mais duros, principalmente aqui nessa região da Europa, dão bastante duras e gritos (risos) mas é o jeito deles trabalharem e são bons profissionais.

Acredito que cada treinador seja brasileiro ou não tem seu estilo e visão de trabalho com futebol. Aqui nessa parte da Europa e com os dois treinadores que trabalhei aqui, o estilo de jogo deles realmente é um pouco diferente dos treinadores brasileiros ou que pelo menos se pratica aqui.         
Aqui o jogo é de muitas transições, não se valoriza muito a posse de bola, é um jogo maia vertical, rápido, de muita força e com muitas bolas longas e cruzamentos. Na Geórgia gostam que você de o mínimo de toque na bola e que você jogue para frente, mesmo que erre a jogada, mas que erre para a frente, com velocidade e força. Não gostam muito que você prenda a bola e nem trabalhe a jogada, que tentam chegar construindo da melhor forma que se pede no jogo. Eles querem que você seja agressivo na marcação e que quando roube a bola já faça a transição e resolva a jogada.

No Brasil, se costuma construir mais a jogada quando se tem a bola, até para se desgastar menos. Aqui o jogo é muito físico! Isso eu digo pelos times que trabalhei.     
 
7.   Você pode ser considerado um cigano da bola. Já jogou em mais de 5 estados do país e em três países. É muito difícil essa vida de em cada ano estar em um clube/região diferente? Como você lida com isso?

É, realmente eu sou um operário da bola, cigano. Acho que é a realidade de muitos atletas no Brasil que trabalham em times de menores investimento. Acho que isso já responde muito o por que eu joguei em alguns estados no Brasil, pois se faz contratos de 3, 4 meses e depois que acaba você tem que buscar uma nova situação para não ficar parado. O futebol no Brasil em times de menores investimento é bem difícil, a realidade é dura.

Eu acho que é uma situação bem difícil sim. Pois você acaba não criando uma estabilidade para a vida, uma identidade com uma determinada equipe. Acho que esses dois fatores são os mais complicados, até por que sabemos que a carreira do atleta de futebol é muito curta, e o atleta precisa de uma estabilidade para se preparar em outra área paralela, para quando encerrar a carreira. Você trocando de estado várias vezes, isso fica muito difícil.

Só que existe o outro lado da moeda, que o atleta precisa estar jogando, rodando, para conseguir situações melhores na carreira, pois se ficar parado 6 meses fica bem difícil de você conseguir se empregar depois. Ainda mais se tratando de times de menores investimento e de jogadores operários como eu e muitos que existem no Brasil, que são a grande maioria. Talvez, essas situações que me fizeram tentar vir buscar uma estabilidade e uma ascensão na carreira aqui fora em países menores.

Mas eu tento olhar tudo pelo lado positivo das coisas, e essas andanças pelo Brasil, me serviu muito para adquirir experiências boas e ruins (principalmente as ruins que me fez crescer mais como pessoa e atleta), conhecer cidades, culturas e fazer grandes amigos, que é isso uma das coisas mais importantes e que sou agradecido no futebol! Afinal se não fosse meu amigo Dhiego Lomba, eu não teria talvez a oportunidade de ter saído do Brasil. Apesar de tudo, sou grato ao futebol por tudo que vivi e que ainda posso viver!

8.   Em 2016, você atuou pelo Valério, de Itabira. Na primeira fase o time fez uma excelente campanha, tendo apenas uma derrota. No hexagonal final, emendou duas derrotas seguidas logo nas duas primeiras partidas. O que faltou para aquele time?

Essa pergunta sobre o Valério em 2016 é uma pergunta bem difícil de responder. Nós temos um grupo no Whatsapp dos jogadores e sempre falamos isso, que não sabemos o que aconteceu que perdemos as forças no hexagonal final. Sabemos que tivemos alguns problemas de pagamentos na época, eu mesmo ainda não recebi o que tenho pra receber rs.

Só que eu acredito que isso não influenciou, pois quando entramos dentro de campo é o nosso nome que está em jogo, e sempre estamos buscando algo melhor para nossa carreira. Mas essa pergunta é bem difícil pra te responder, por que não sabemos até  hoje o que realmente aconteceu pra um time com 1 derrota na primeira fase perder as forças do jeito que foi no hexagonal.

9.   Sente falta de jogar e morar no Brasil? Tem vontade de voltar a jogar aqui? 

Sim, sinto muita falta de jogar e morar aí! Principalmente por que meus familiares e namorada estão aí. Além do que o Brasil com todos os problemas que existem em todos os aspectos e no futebol (que eu já citei em outras perguntas), para mim ainda é o melhor país do mundo para se viver. É o país que eu amo e onde estão as pessoas que amo.

E sim, também tenho vontade de voltar a jogar aí, pelas situações que eu acabei de descrever! No futebol não devemos dizer a palavra nunca, ainda mais quando se trata do nosso país. Hoje eu estou aqui, mas daqui um ou dois meses tudo pode mudar! O futebol é muito dinâmico por si só e em tempos de pandemia fica mais ainda. Então eu não descarto nunca voltar ao Brasil, claro que tudo deve ser bem pensado e planejando junto com meu empresário, Mario.  
       
10. Quais são seus maiores sonhos como jogador?

O meu grande sonho de menino eu já realizei, que foi me tornar atleta profissional de futebol! Agora eu busco melhorias, situações maiores na minha carreira e poder quem sabe um dia estar satisfeito por ter chego em determinado estágio da carreira, poder viver 100% do futebol, colher os frutos e usufruir de tudo o que eu plantei, com a minha família que eu quero construir, meus pais e etc.

Procuro viver dia após dia, tentando ser melhor sempre e pedindo que Deus me guie e me dê discernimento para as escolhas dos meus caminhos para que eu possa estar sempre crescendo como atleta e ser humano.

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Carreira do Atleta: 


Nome Completo: Lucas Amarante Straub
Data de Nascimento: 06/04/1995
Naturalidade: Petrópolis - RJ
Altura/Peso: 1,87m e 85kg.
Carreira:

2014/2015 - Ferroviário AC/CE
2015 - Petrolina SFC/PE
2016 - CA Lemense/SP
2016 - Valeriodoce EC/MG
2017 - ASSU/RN
2017 - Grêmio Desportivo  Prudente/SP
2017/2018 - FC Ararat Yerevan/Armênia (1° divisão)
2018 - Pouso Alegre FC/MG
2019 - Sousa EC/PB
2019 - Serrano FC/RJ
2020 - FC Dusheti Aragvi/Geórgia (2° divisão)


Entrevista publicada em 11/05/2020


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