Um brasileiro atuando na Segunda Divisão do Campeonato da Geórgia. Lucas Straub, zagueiro de 1,87m natural de Petrópolis conta com exclusividade ao AlternaFut como é atuar em um país tão distante geográfica e culturalmente.
Por: AlternaFut
Imagine que você tem o sonho de jogar profissionalmente: Barcelona, Liverpool, Juventus, PSG - essas são equipes em que você provavelmente gostaria de atuar: maior estrutura, maiores salários, mais visibilidade e competições com os maiores craques do mundo. Sim, há brasileiros que chegam lá, mas esses atletas que alçam esse vôo são exceções.
A realidade de muitos brasileiros que atuam profissionalmente no esporte é bem diferente: a cada trimestre ou semestre estão rodando por clubes de norte a sul no Brasil ou vão atuar profissionalmente em outro país, em busca de melhores condições de trabalho.
Lucas Straub, atleta de 25 anos que hoje joga pelo FC Aragvi Dusheti, na Segunda Divisão da Geórgia, já atuou por mais de 5 estados, 11 times e três países diferentes em 6 anos e nos conta um pouco de sua experiência.
Confira a entrevista exclusiva realizada pelo AlternaFut com o atleta:
Lucas Straub - Brasileiro que atua na Segunda Divisão do Futebol da Geórgia (Foto: Arquivo Pessoal)
1. Como
surgiu o convite para jogar em Países como Armênia e Geórgia, considerando que
são muito distantes tanto geograficamente quanto
culturalmente? Algum
representante do clube estava no Brasil procurando reforços?
Para a Armênia surgiu através de um amigo, Dhiego Lomba, estávamos jogando
juntos no Assu/RN 2017 e ele já tinha jogado em alguns países fora, inclusive
na Armênia. Ele jogou na Armênia com o presidente do time que eu fui, FC Ararat
Yerevan. Jogando juntos em Assu, ele me disse que o presidente do Ararat o
perguntou se ele conhecia bons jogadores e novos, ele apresentou eu e Silas,
que também jogava no mesmo time. O presidente do Ararat gostou dos vídeos e
encaminhou nossa contratação.
Quando
eu estava na Armênia acabei tendo contato com um brasileiro que mora aqui em
Tbilisi a bastante tempo, ele disse que tinha oportunidade de vir para um clube
aqui: me apresentou o FC Dusheti Aragv e disse que queriam a minha contratação.
Na época acabei não vindo, mas ficamos em contato e esse ano de 2020 acabou
dando certo de vir.
2. Como
o povo da Geórgia se relaciona com o futebol? E quando você se apresenta como
brasileiro, quais as referências de jogadores brasileiros que eles mais citam?
O
povo Georgiano, gosta bastante de futebol! Apesar de não ser o principal
esporte aqui, acredito que fica atrás do levantamento de peso, luta olímpica e
rugby. O futebol está crescendo bastante e a cada dia ganha mais adeptos a
prática. Na capital é comum você ver em cada esquina uma quadra sintética para
prática de futebol. Muitas dessas quadras ainda estão vazias, mas é notável que
o futebol está crescendo e o povo gosta e torcem demais.
Eles
sempre dão referência a Pelé, Ronaldinho, Ronaldo, Romário. Acredito que esses
4 são os que eu mais escuto falar aqui, mas também escuto os georgianos dizendo
que gostam do Neymar, Thiago Silva e Marcelo.
2. É
difícil você se relacionar com jogadores de outro país? A afinidade é a mesma
com os jogadores nascidos no Brasil. na Geórgia ou na Armênia?
No
início é mais complicado, pois eles são mais fechados, não são iguais os
brasileiros que são bem receptíveis. Isso eu digo que é praticamente igual aqui
na Geórgia e na Armênia, pois são países bem parecidos. Depois que você vai se
adaptando, vai conhecendo, eles são bem receptíveis. Gostam de brasileiros, mas
é claro que você também que se adaptar a eles, pois estou no país deles, isso
conta muito. Uma situação que eu acho que facilita bem, é quando você está
disposto a se introduzir na cultura deles, acredito que eles gostam e tudo fica
mais fácil. Eu, graças a Deus, fiz boas amizades na Armênia e aqui também tenho
bons amigos locais, isso faz com que a adaptação fique mais fácil.
3. Como
você lida com a questão do idioma? Você fala inglês, ou a língua local? Jogou
com mais brasileiros no time na Armênia ou na Geórgia?
A
questão do idioma realmente é bem complicada, tanto aqui e na Armênia. Nos dois
países eu aprendi bem pouco, poucas palavras para o dia a dia, como bom dia,
obrigado, como você está e etc.. o idioma é bem difícil.
Eu
não sou fluente no inglês, mas estudei algum tempo no Brasil quando era menor,
então eu consigo conversar bem e entender tudo o que é passado. Essa também é
uma prática que eu procuro ficar bem atento para estar aperfeiçoando meu
inglês. Aqui, como na Armênia, nem todo mundo fala inglês, a segunda língua
predominante é o russo devido a antiga União Soviética. Então, tem pessoas que
falam fluentes, outras igual eu e outros bem piores, só que no futebol dentro
do campo você acaba se virando e dando um jeito de passar e receber
informações.
Acredito
que essa situação do idioma não seja uma barreira para mim, apesar de que se eu
soubesse o idioma local iria facilitar muito. São coisas que vamos aprendendo e
passando, como eu disse cada vez que você se introduz na cultura local, tudo
fica mais fácil!
4. Antes
da paralisação devido ao Coronavirus, vocês jogaram dois jogos no campeonato e
ambos foram empates. Qual era a meta para a temporada?
Minha
equipe é debutante na segunda liga, eles tiveram 3 acessos nos últimos 4 anos,
subiram da extinta quinta para segunda liga em 4 anos. A nossa equipe é de uma
pequena cidade chamada Dusheti, fica a 54km da capital Tbilisi.
A
meta é se manter na segunda liga por ser uma equipe debutante, mas jogamos dois
jogos contra duas equipes tradicionais no país e que estão sempre jogando a
primeira liga, dois empates por 0x0, onde no primeiro jogo contra o Wit Geórgia
dominamos o jogo e não matamos, e no segundo contra o Gagra foi mais
equilibrado e também tivemos alguns bons momentos na partida.
Esses
dois jogos nos mostrou que vamos ter uma temporada boa e sólida em busca da
permanência e se der para beliscar o acesso direto ou os play-offs, vai ser uma
grande conquista e iremos fortes para o acesso.
5. Como
está sendo lidar com a pandemia na Geórgia? Está treinando a parte física
em casa?
A
pandemia aqui está bem melhor do no Brasil, por exemplo. Aqui as autoridades
adotaram medidas de prevenção e com isso o número de casos foi bem baixo. Aqui
no país hoje (05/05) tem 600 casos, 9 mortes e 250 recuperados. Acredito que
esses números teoricamente baixos comparando com outros países, foi devido às
medidas adotadas, como toque de recolher, multas, paralisação de transportes
públicos, privados.
As
únicas coisas abertas aqui são mercados e farmácias, e mesmo assim não se pode
ter mais de 5 pessoas dentro do estabelecimento, além de ser obrigatório o uso
de máscaras e luvas em ambientes fechados. Mas isso também se deve à
conscientização das pessoas, pois a Geórgia é um país com muitos idosos. Uma
outra medida que acredito que deu certo, foi que muitas famílias saíram da
capital e foram para as pequenas cidades bem afastadas para ficarem em quarentena.
Aqui a previsão é de quarentena até dia 22 de maio e depois a vida ir
retornando devagar ao normal.
Quanto
a parte física, eu sempre tento manter em casa a parte física do jeito que eu
posso, até mesmo em atividade normal, sempre tento me cuidar fazendo um extra
de prevenção em casa. Sabemos que não é o ideal o treinamento em casa, porém
nessa situação, são forças superiores em que só temos que aceitar e ficar em
casa torcendo para que tudo isso acabe logo, para que possamos retornar aos
trabalhos.
Lucas em atuação no futebol georgiano. [Foto/Reprodução: Arquivo Pessoal]
6. Como
é ser treinado por um treinador estrangeiro? A visão dele de futebol é muito
diferente dos treinadores brasileiros com os quais você já trabalhou?
Eu
gosto de trabalhar com treinadores que não são brasileiros também. Acredito que
você acaba aprendendo culturas diferentes do futebol e que vai somando no seu
crescimento e evolução. Eu ja tive a oportunidade de trabalhar com um no Brasil
e depois aqui fora pela segunda e terceira vez. As vezes eles são mais duros,
principalmente aqui nessa região da Europa, dão bastante duras e gritos (risos)
mas é o jeito deles trabalharem e são bons profissionais.
Acredito
que cada treinador seja brasileiro ou não tem seu estilo e visão de trabalho
com futebol. Aqui nessa parte da Europa e com os dois treinadores que trabalhei
aqui, o estilo de jogo deles realmente é um pouco diferente dos treinadores
brasileiros ou que pelo menos se pratica aqui.
Aqui
o jogo é de muitas transições, não se valoriza muito a posse de bola, é um jogo
maia vertical, rápido, de muita força e com muitas bolas longas e cruzamentos.
Na Geórgia gostam que você de o mínimo de toque na bola e que você jogue para
frente, mesmo que erre a jogada, mas que erre para a frente, com velocidade e
força. Não gostam muito que você prenda a bola e nem trabalhe a jogada, que
tentam chegar construindo da melhor forma que se pede no jogo. Eles querem que
você seja agressivo na marcação e que quando roube a bola já faça a transição e
resolva a jogada.
No
Brasil, se costuma construir mais a jogada quando se tem a bola, até para se
desgastar menos. Aqui o jogo é muito físico! Isso eu digo pelos times que
trabalhei.
7. Você
pode ser considerado um cigano da bola. Já jogou em mais de 5 estados do país e
em três países. É muito difícil essa vida de em cada ano estar em um
clube/região diferente? Como você lida com isso?
É,
realmente eu sou um operário da bola, cigano. Acho que é a realidade de muitos
atletas no Brasil que trabalham em times de menores investimento. Acho que isso
já responde muito o por que eu joguei em alguns estados no Brasil, pois se faz
contratos de 3, 4 meses e depois que acaba você tem que buscar uma nova
situação para não ficar parado. O futebol no Brasil em times de menores
investimento é bem difícil, a realidade é dura.
Eu
acho que é uma situação bem difícil sim. Pois você acaba não criando uma
estabilidade para a vida, uma identidade com uma determinada equipe. Acho que
esses dois fatores são os mais complicados, até por que sabemos que a carreira
do atleta de futebol é muito curta, e o atleta precisa de uma estabilidade para
se preparar em outra área paralela, para quando encerrar a carreira. Você
trocando de estado várias vezes, isso fica muito difícil.
Só
que existe o outro lado da moeda, que o atleta precisa estar jogando, rodando,
para conseguir situações melhores na carreira, pois se ficar parado 6 meses
fica bem difícil de você conseguir se empregar depois. Ainda mais se tratando
de times de menores investimento e de jogadores operários como eu e muitos que
existem no Brasil, que são a grande maioria. Talvez, essas situações que me
fizeram tentar vir buscar uma estabilidade e uma ascensão na carreira aqui fora
em países menores.
Mas
eu tento olhar tudo pelo lado positivo das coisas, e essas andanças pelo
Brasil, me serviu muito para adquirir experiências boas e ruins (principalmente
as ruins que me fez crescer mais como pessoa e atleta), conhecer cidades,
culturas e fazer grandes amigos, que é isso uma das coisas mais importantes e
que sou agradecido no futebol! Afinal se não fosse meu amigo Dhiego Lomba, eu
não teria talvez a oportunidade de ter saído do Brasil. Apesar de tudo, sou
grato ao futebol por tudo que vivi e que ainda posso viver!
8. Em
2016, você atuou pelo Valério, de Itabira. Na primeira fase o time fez uma
excelente campanha, tendo apenas uma derrota. No hexagonal final, emendou duas
derrotas seguidas logo nas duas primeiras partidas. O que faltou para aquele
time?
Essa pergunta sobre o Valério em 2016 é uma pergunta bem difícil
de responder. Nós temos um grupo no Whatsapp dos jogadores e sempre
falamos isso, que não sabemos o que aconteceu que perdemos as forças no
hexagonal final. Sabemos que tivemos alguns problemas de pagamentos na época,
eu mesmo ainda não recebi o que tenho pra receber rs.
Só
que eu acredito que isso não influenciou, pois quando entramos dentro de campo
é o nosso nome que está em jogo, e sempre estamos buscando algo melhor para
nossa carreira. Mas essa pergunta é bem difícil pra te responder, por que não
sabemos até hoje o que realmente
aconteceu pra um time com 1 derrota na primeira fase perder as forças do jeito
que foi no hexagonal.
9. Sente
falta de jogar e morar no Brasil? Tem vontade de voltar a jogar aqui?
Sim,
sinto muita falta de jogar e morar aí! Principalmente por que meus familiares e
namorada estão aí. Além do que o Brasil com todos os problemas que existem em
todos os aspectos e no futebol (que eu já citei em outras perguntas), para mim
ainda é o melhor país do mundo para se viver. É o país que eu amo e onde estão
as pessoas que amo.
E
sim, também tenho vontade de voltar a jogar aí, pelas situações que eu acabei
de descrever! No futebol não devemos dizer a palavra nunca, ainda mais quando
se trata do nosso país. Hoje eu estou aqui, mas daqui um ou dois meses tudo
pode mudar! O futebol é muito dinâmico por si só e em tempos de pandemia fica
mais ainda. Então eu não descarto nunca voltar ao Brasil, claro que tudo deve
ser bem pensado e planejando junto com meu empresário, Mario.
10. Quais
são seus maiores sonhos como jogador?
O
meu grande sonho de menino eu já realizei, que foi me tornar atleta
profissional de futebol! Agora eu busco melhorias, situações maiores na minha
carreira e poder quem sabe um dia estar satisfeito por ter chego em determinado
estágio da carreira, poder viver 100% do futebol, colher os frutos e usufruir
de tudo o que eu plantei, com a minha família que eu quero construir, meus pais
e etc.
Procuro
viver dia após dia, tentando ser melhor sempre e pedindo que Deus me guie e me
dê discernimento para as escolhas dos meus caminhos para que eu possa estar
sempre crescendo como atleta e ser humano.
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Carreira do Atleta:
Nome Completo: Lucas Amarante Straub
Data de Nascimento: 06/04/1995
Naturalidade: Petrópolis - RJ
Altura/Peso: 1,87m e 85kg.
Carreira:
2014/2015 - Ferroviário AC/CE
2015 - Petrolina SFC/PE
2016 - CA Lemense/SP
2016 - Valeriodoce EC/MG
2017 - ASSU/RN
2017 - Grêmio Desportivo Prudente/SP
2017/2018 - FC Ararat Yerevan/Armênia (1° divisão)
2018 - Pouso Alegre FC/MG
2019 - Sousa EC/PB
2019 - Serrano FC/RJ
2020 - FC Dusheti Aragvi/Geórgia (2° divisão)
Entrevista publicada em 11/05/2020