Barcelona – O Símbolo Histórico Catalão
Por Rodolfo Silva
A Espanha está em crise política,
o nacionalismo catalão em alta. O movimento separatista organizou um referendo
para definir se a região da Catalunha se tornará independente da Espanha ou
não. A definição dessa situação terá reflexos no futebol, e a maior preocupação
é em que liga o time do Barcelona irá jogar, caso se confirme a separação.
No último domingo, 1 de outubro,
se iniciou a votação do referendo e o Barcelona enfrentou o Las Palmas com portões
fechados para o público, quase causando o cancelamento do jogo.
Pensando nessa complexa situação
e como estudante de história, resolvi buscar as raízes históricas do problema
político para se compreender o atual momento. Através dessa busca, pretendo
mostrar como a questão política impactou na instituição FC Barcelona no breve
século XX, quando a Espanha passou por guerra civil e regimes autoritários.
O Início do FC Barcelona.
No final do século XIX e no início do XX o futebol começou a se popularizar na América do Sul e na Europa, fazendo com que várias entidades esportivas surgissem nesse período. No princípio, o esporte ficou popular principalmente nas regiões portuárias, onde os marinheiros ingleses locais aportavam e jogavam as partidas.
Barcelona era uma das cidades em
que o esporte começou a ganhar fama no fim do século XIX, e o empresário suíço
Hans Gamper decidiu fundar um clube na cidade catalã, dando origem em 1899 o Football Club Barcelona (Futbol Club
Barcelona). Tendo passado por dificuldades financeiras desde seu início, o
clube só conseguiu se estabilizar após se fixar no estádio Camp del Carrer de la Indústria. Tendo se
recuperado financeiramente, começou a ganhar campeonatos e torcedores,
aumentando também o número de sócios, o que levou o clube em 1922 fundar um
novo estádio, o Camp de Las Corts.
Um ano após a inauguração do Camp de Las Corts a instabilidade
política na Espanha levou ao golpe militar de Miguel Primo de Rivera. Durante o
governo de Rivera, o nacionalismo
catalão esteve presente nos jogos do Barcelona e o regime respondeu com
intervenção direta no clube. Porém, antes de entrar no assunto, vou fazer um
breve histórico sobre o nacionalismo catalão.
A Guerra da Sucessão (1702-1714)
A Catalunha foi incorporada a península ibérica através do casamento entre
famílias, e durante séculos permaneceu com determinada autonomia, até a guerra
da sucessão no século XVIII.
Tal conflito ocorreu quando, em 1701,
Carlos II, rei da casa de Habsburgo,
faleceu sem deixar herdeiros. A partir
desse momento se dá início a um verdadeiro ‘Game Of Thrones’ da vida real, pois
Leopoldo I, Imperador da Áustria, se
envolve na batalha. Ele considerava ter o direito legítimo de colocar seu filho,
Carlos de Habsburgo, no trono.
A Catalunha também se envolveu e
apoiou os Austríacos. Porém, em 1713, os outros países enredados na guerra fazem
um acordo e deixam a região sozinha. Ela conseguiu resistir por mais 12 meses
no conflito, porém, quando a guerra acabou, Felipe V aboliu todas as instituições
catalãs, além de fechar suas universidades.
Atualmente, a economia da região concentra
a maior porcentagem do PIB espanhol. Porém, apesar de ser a região de maior
concentração de riqueza na Espanha, há um déficit orçamentário, ou seja, a
Catalunha entrega mais dinheiro ao governo do que recebe.
Os catalães possuem identidade
cultural e língua própria e um sentimento de identidade nacional com a região
em que vivem, e não com a Espanha. Os nacionalistas defendem a ideia de que são
explorados/oprimidos pelos espanhóis desde essa invasão que ocorreu em 1714,
quando perderam vários de seus direitos.
A reação do Barcelona à ditadura de Primo Riviera (1923-1930)
Em meio à crise política
espanhola, em 1923, um ano depois de o Barcelona fundar seu novo estádio, o general Miguel Primo de Riviera aplica um golpe militar e toma o poder,
iniciando um período de ditadura no país ibérico. Durante o regime, o FC
Barcelona ficou marcado pelo nacionalismo de sua torcida. No ano de 1925, o
clube marcou um jogo amistoso para homenagear o Orfeó Catalá, um coral da
região que promovia a cultura catalã.
“A primeira etapa do jogo
transcorreu normalmente, mas durante o intervalo, uma banda inglesa, que havia
sido convidada para o evento, tocou os hinos da Espanha e das Ilhas Britânicas.
Quando a banda começou a tocar a Marcha Real Espanhola, os mais de 12 mil
presentes no estádio começaram a vaiar. Em seguida, as vaias contra Marcha Real
se converteram em aplausos quando a banda começou a tocar God save the King.”
(FIGOLS, 2014)
A manifestação simbólica contra o hino
espanhol gerou uma intervenção direta no clube. O general da Catalunha, Joaquín Milans Del Bosch, solicitou a
suspensão imediata das atividades do Barcelona, mas Joan
Gamper, presidente do Barcelona, defendeu as manifestações dos torcedores. Como
resultado, teve decretada sua expulsão não apenas do Barcelona, mas também da
Espanha.
O Estádio Camp de Las Cort ficou fechado por seis meses e só voltou a ser ativado em decorrência das várias manifestações dos torcedores e da influência política do novo presidente do clube, Arcadi Balaguer.
Na década seguinte se instaurou uma guerra civil na Espanha. Como consequência direta, um novo ditador assume o poder: Francisco Franco, que governaria de 1939 a 1976. Durante seu governo, o clube se tornou mais ativo politicamente, como será demonstrado no tópico seguinte.
O Estádio Camp de Las Cort ficou fechado por seis meses e só voltou a ser ativado em decorrência das várias manifestações dos torcedores e da influência política do novo presidente do clube, Arcadi Balaguer.
Na década seguinte se instaurou uma guerra civil na Espanha. Como consequência direta, um novo ditador assume o poder: Francisco Franco, que governaria de 1939 a 1976. Durante seu governo, o clube se tornou mais ativo politicamente, como será demonstrado no tópico seguinte.
A Ditadura de Francisco Franco (1939 a 1975)
O governo Franquista visava dar o
sentido de unificação à nação espanhola. Assim sendo, proibiu manifestações
linguísticas e culturais que não fossem castelhanas em locais públicos. Apesar
da proibição de falar catalão no espaço público, essa restrição não se aplicava
ao estádio, o que acabaria por tornar o futebol um grande espaço de manifestação
cultural catalã, agregando as massas populares.
Franco interviu diretamente na
equipe do Barcelona, fazendo com que ela mudasse de nome. Se antes era Football Club Barcelona, agora passava a
se chamar Club de Fútbol Barcelona e
sofria alterações também em seu escudo.
Durante o Franquismo, alguns
clubes espanhóis tiveram uma aproximação maior com o governo militar, como era
o caso do Real Madrid. Em 1943, nas semifinais de uma competição espanhola, o
Barcelona venceu o Real Madrid por 3 a 0 no jogo de ida. Na volta, a história
foi outra: relatos dão conta de que o clube catalão recebeu visita de militares
armados do governo no vestiário que os pressionaram a perder a partida. Como
resultado dessa intervenção, o clube merengue venceu por 11 a 1.
Apesar de o Barcelona ter sido
muito prejudicado pelo Franquismo durante seu regime, houve um caso excepcional
em que o governo Franquista não agiu como uma sombra ao clube, mas sim como
apoiador: Esse é o caso da contratação do estrela Kubala.
Kubala, Di Stéfano, Barcelona e o Franquismo.
Na década de 40 o Barcelona foi
ofuscado pelo Real Madrid e pelo Athletic Bilbao. Porém, nos anos 50, o Barcelona
contratou o húngaro Kubala que, com seu futebol, ajudou a reerguer o clube,
dentro e fora dos gramados. Kubala era conservador e refugiado de governo
comunista da Hungria, passou por diversos países até chegar na Espanha, sendo
peça fundamental para a criação do Camp Nou.
Kubala tinha problemas com
álcool. Há uma lenda que diz qual
foi a grande cartada do Barcelona para negociar com o atleta. Santiago Bernabéu, presidente do Real
Madrid na época, queria contar com o húngaro no seu clube e havia marcado uma
reunião com o atleta. Sabendo disso, Pep
Samitier (estrela como jogador, e ex-treinador do Barcelona) levou Kubala
aos bares de Madrid até deixa-lo inconsciente de tanto beber. Quando acordou,
estava de ressaca e a caminho de Barcelona para fechar negócio com o clube
catalão.
Se o Barcelona ficou com Kubala
em 1950, três anos depois o Real Madrid deu o troco com o Di Stéfano. O argentino foi disputado pelos dois clubes, mas o
Barcelona tinha levado a melhor nas negociações e contratado ele. Dí Stefano
chegou a jogar alguns amistosos com a camisa do Barça, porém uma nova regra da
liga espanhola restringia o número de estrangeiros no elenco. O Barcelona então
cedeu Di Stéfano para o Real Madrid, e o argentino se tornou o maior jogador da
história do clube da capital.
Kubala e Dí Stéfano.(Foto: Reprodução)
Apesar de Kubala ter o contrato
assinado com o Barça, ainda faltava resolver os trâmites legais para o húngaro
jogar pelo clube. Por ter sido um desertor de seu país, a Federação Húngara
solicitou à FIFA a proibição do jogador de disputar competições profissionais. E
quase conseguiu, não fosse Muñoz Calero,
presidente da Federação Espanhola e apoiador do regime franquista, ter
intervindo.
No fim das contas, a FIFA puniu
apenas por um ano o jogador que pôde brilhar na década de 50 no Barça.
O clube que melhor serviu aos
interesses do governo Franquista foi o Real Madrid. Durante seu regime, as
fantásticas conquistas do clube merengue estampavam as manchetes internacionais
na década de 50. Porém, o caso de Kubala foi um caso excepcional em que o
regime esteve ao lado do Barcelona, mesmo o clube sendo opositor ferrenho a
suas políticas.
O governo de Franco se apoiou na
ideia de que um jogador fugia de um regime comunista em busca da liberdade
espanhola para propagandear os bens de suas políticas. Para o Franquismo, Kubala
se tornou importante, chegando até a protagonizar filmes em propagandas
anticomunistas.
Com a camisa do do Barcelona,
ganhou quatro vezes a Liga Espanhola e cinco vezes a Copa da Espanha. Na
temporada de 1952, o clube faturou cinco títulos, ficando conhecido como “El
Barça De las Cinco Copes”
Com o sucesso na década de 50,
sua fama aumentou, e consequentemente sua torcida também. O Estádio Camp de Las Cort ficou pequeno para o
Barcelona, que crescera muito. Por causa disso, em 1954, começou a construção
do estádio Camp Nou, que foi inaugurado em 1957 com capacidade para
receber até 80 mil pessoas por partida.
Quanto a sua antiga casa, os catalães tiveram
a ideia de vendê-la para pagar a nova que havia saído. No entanto, passou por
alguns problemas e só pode concretizar a venda na década seguinte, quando governo
Franco interviu e autorizou o clube a fazer a negociação.
Em 1968, Narcís de Carreras
assume o clube, e em seu discurso profere a frase mais famosa ao se tratar do
Barcelona: “El Barcelona es algo mas que
um club”. Espetacular frase reflete
a dimensão política que o clube tomou, carregando consigo um sentimento
catalão, um sentimento anti franquista.
Nos últimos anos do governo
Franco, em 1974, o Barcelona mostrou por que era “més que un club”: venceram o Real Madrid em pleno estádio Santiago
Bernabéu por 5 a 0 e ainda voltou a ser campeão da Liga Espanhola. Um ano após
a goleada, o ditador vem a óbito em Madrid. Internado em um hospital, Franco
enfrentava uma doença e não conseguiu se recuperar.
Tendo feito esse resgate da
história do Barcelona no século XX e mostrado como a política influenciou
ativamente no clube, pretendo mostrar como o jogo do último domingo repercutiu
nas mídias catalãs.
A Catalunha no século XXI
Como demonstrado anteriormente, a
Catalunha já possui em seu histórico um sentimento nacionalista e uma luta por
maior autonomia. Em 2006 um estatuto foi aprovado, dando maior autonomia à
região e definia a Catalunha como Nação.
Porém, em 2010, o Tribunal
Constitucional da Espanha rejeitou esse estatuto anulando o status de nação da
Catalunha, o que irritou os nacionalistas, que se engajaram cada vez mais na
luta pela independência da região.
Os nacionalistas fizeram então,
em 2014, uma consulta informal sobre a independência catalã e 80% dos
participantes votaram a favor da independência.
Em 2015 o parlamento da Catalunha
ficou composto por maioria pró Independência.
Nesse ano de 2017, um referendo
foi convocado e realizado mesmo sem o consentimento do Governo. Mais de 10 mil
homens da polícia e da guarda civil espanhola foram enviados à Catalunha e
reagiram com repressão, deixando mais de 800 feridos. O governo confiscou as
urnas, mas os catalães permaneceram com força de vontade, votaram e lutaram.
O resultado do referendo foi de
90% pró independência.
01-10-17: Barcelona x Las Palmas – O Dia em que o Camp Nou ficou mudo
O jogo contra o Las Palmas pela
7ª rodada do campeonato espanhol estava marcado para o dia primeiro de outubro,
domingo, às 11:30 a.m. (horário de Brasília).
O Barcelona lutou pelo adiamento
da partida, porém, a federação negou o pedido e ameaçou com a perda de 6 pontos
no campeonato. O clube não se opôs à federação e jogou a partida, mas fechou os
portões do Camp Nou, ficando o estádio sem torcida. A imprensa catalã criticou essa
decisão da diretoria do Barcelona.
Na capa do Sport, um jornal catalão: “Vergonha”. (Foto: Reprodução/Sport)
Em sua coluna no Sport, Lluís Mascaró criticou a atitude do
clube: “O Barcelona ganhou ontem um jogo, mas perdeu a dignidade. Deixou
de ser, definitivamente, 'mais que um clube' para tornar-se um simples time de
futebol.”.
Porém, não só os jornais catalães
criticaram a decisão da equipe do Barcelona de jogar a partida, como também
jornais da capital Madri, que deram menor destaque à vitória do clube da
capital (O Real Madrid venceu o Espanyol por 2 a 0, também no domingo) e
engrossaram as críticas contra o Barcelona.
O jornal Marca destacou em sua capa
“A este Barça não há quem aplauda.” (foto/reprodução: Marca)
Em nota oficial, o Barcelona
condenou as ações que ocorreram na Catalunha, e disseram que jogaram de portas
fechadas para mostrar a dor pelos acontecimentos e não por problemas de segurança.
Referências Bibliográficas:
5 questões-chave para entender polêmico plebiscito 'rebelde' sobre a independência
na Catalunha. BBC 25 de setembro de 2017
<Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/5-questoes-chave-para-entender-polemico-plebiscito-rebelde-sobre-a-independencia-na-catalunha.ghtml>
15 grandes histórias sobre Kubala, o craque com uma trajetória de vida
singular - Leandro Stein. 13 de junho de 2017 <disponível em: http://trivela.uol.com.br/15-grandes-historias-sobre-kubala-o-craque-com-uma-trajetoria-de-vida-singular/>
80% votam por independência em consulta informal na Catalunha. BBC
Brasil . 10 novembro 2014 <disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/11/141110_catalunha_votacao_hb>
Barça deixou se ser 'mais que um clube' ao disputar jogo 'mais triste
de sua história', detona jornal catalão - ESPN.com.br 02 de outubro de
2017. <disponível em:
http://espn.uol.com.br/noticia/731859_barca-deixou-se-ser-mais-que-um-clube-ao-disputar-jogo-mais-triste-de-sua-historia-detona-jornal-catalao>
Catalunha tem referendo pela independência neste domingo; entenda o
movimento separatista. G1 - 30 de setembro de 2017.
<disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/catalunha-tem-referendo-pela-independencia-neste-domingo-entenda-o-movimento-separatista.ghtml>
Imprensa catalã critica Barça por jogar e desistir de adiar partida:
"Vergonha" GloboEsporte.com
02 outubro de 2017 <disponível em :
https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-espanhol/noticia/imprensa-catala-critica-barca-por-jogar-e-desistir-de-adiar-partida-vergonha.ghtml>
Kubala, quando Franco decidiu salvar o Barcelona. Futebol Magazine 21 de abril de 2016. <disponível
em: http://www.futebolmagazine.com/kubala-quando-franco-decidiu-salvar-o-barcelona>
O Estádio Como Espaço de Afirmação do
Nacionalismo Catalão. FIGOLS, Victor de Leonardo. Projeto História, São
Paulo, n. 49, pp. 347-379, Abr. 2014 <disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/19897/15946>
O FC Barcelona: més que un club - Victor de Leonardo Figols
<disponível em: http://www.ludopedio.com.br/arquibancada/o-fc-barcelona-mes-que-un-club/>
Referendo sobre separação da Catalunha tem repressão e feridos por ação
policial <Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/referendo-sobre-separacao-da-catalunha-tem-feridos-por-acao-policial.ghtml>
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